Começaremos uma série de depoimentos, se quiser colaborar, escreva para nosso e-mail: manifestobrasileiras@gmail.com
DEPOIMENTO DE ANA SILVA:
Talvez este texto seja uma forma de aliviar minha inquietação. Quem sabe é só uma forma de desabafo ou, quem sabe ainda, é uma forma de denunciar um crime. Essa história não é bonita, não é alegre...
Eu não aguentava mais o trabalho no restaurante. Eram 15 horas diárias de trabalho, em pé e sem hora para o almoço. Comíamos quando desse, muitas vezes em pé na cozinha porque não era permitido comer nas mesas em que os clientes comiam. Carregávamos muito peso, eram caixas e mais caixas de frutas que levávamos para a reposição. Não dava para continuar explorada. Fisicamente não suportava e psicologicamente estava arrasada.
Resolvi procurar outro emprego. Vi no jornal um anúncio para auxiliar administrativa. Como já tinha experiência em trabalhar em escritório no Brasil resolvi enviar currículo. Ainda pela manhã recebi resposta. Comemorei porque no contato marcava entrevista para o dia seguinte às 9h. Lá dizia endereço e ponto de referência. Maravilhoso, eu sabia chegar!
No dia seguinte acordei mais cedo e fui à entrevista. Fui atendida por um senhor com mais ou menos 30 anos, baixo, meio gordinho, com barba bem cuidada. A entrevista correu normalmente. Fiquei confiante que conseguiria aquele emprego. Sai de lá animada e certa que poderia ter esperança. Ganharia um pouco mais e ainda teria folga aos finais de semana. Um sonho!
Poucas horas depois o telefone toca:
- Sim!
Talvez este texto seja uma forma de aliviar minha inquietação. Quem sabe é só uma forma de desabafo ou, quem sabe ainda, é uma forma de denunciar um crime. Essa história não é bonita, não é alegre...
Eu não aguentava mais o trabalho no restaurante. Eram 15 horas diárias de trabalho, em pé e sem hora para o almoço. Comíamos quando desse, muitas vezes em pé na cozinha porque não era permitido comer nas mesas em que os clientes comiam. Carregávamos muito peso, eram caixas e mais caixas de frutas que levávamos para a reposição. Não dava para continuar explorada. Fisicamente não suportava e psicologicamente estava arrasada.
Resolvi procurar outro emprego. Vi no jornal um anúncio para auxiliar administrativa. Como já tinha experiência em trabalhar em escritório no Brasil resolvi enviar currículo. Ainda pela manhã recebi resposta. Comemorei porque no contato marcava entrevista para o dia seguinte às 9h. Lá dizia endereço e ponto de referência. Maravilhoso, eu sabia chegar!
No dia seguinte acordei mais cedo e fui à entrevista. Fui atendida por um senhor com mais ou menos 30 anos, baixo, meio gordinho, com barba bem cuidada. A entrevista correu normalmente. Fiquei confiante que conseguiria aquele emprego. Sai de lá animada e certa que poderia ter esperança. Ganharia um pouco mais e ainda teria folga aos finais de semana. Um sonho!
Poucas horas depois o telefone toca:
- Sim!
- Tô, É a …?
- Sim, é ela
- Aqui é o ... e gostaria de saber se você está mesmo disposta a trabalhar?
- Sim, estou.
- Olhe, os administradores querem alguém que possa sair. Estaria interessada, conhece mais alguém… uma amiga?
Comecei a notar que tinha algo errado, mas queria confirmar tudo.
- Não conheço muitas pessoas em Portugal.
- Os administradores pediram alguém que saia com eles.
- Como assim?
- Você sabe… (pausa). Alguém como você…
- Sair?
- É. Sair à noite com eles, não sei se você me entende... Querem uma acompanhante…
- Olhe, estou interessada no emprego.
- Só no emprego? Não queria mesmo sair com eles?
- Só no emprego.
- Ok. Eles querem alguém para sair, mas mesmo assim vou falar com eles para saber se aceitam só para o emprego
- Tchau
Foi ai que a ficha caiu. Percebi o que estava em jogo. Queriam-me para prostituta de luxo!
Fiquei apavorada porque já tinha ouvido muitas histórias de tráfico de mulheres. Hoje tenho medo. Quando o telefone toca e não conheço o número me bate um desespero. Eles ficaram com meu curriculum e lá tem foto, endereço, e-mail e telefone. Quando vejo um executivo tenho medo de encontrar aquele rosto.
Algumas pessoas mais próximas aconselharam-me fazer uma denúncia. Uma amiga chegou a ligar para a polícia, mas eles disseram que eu quem tinha que fazer a denúncia. Por medo, calei.
DEPOIMENTO DE MARIA SANTOS:
- Sim, é ela
- Aqui é o ... e gostaria de saber se você está mesmo disposta a trabalhar?
- Sim, estou.
- Olhe, os administradores querem alguém que possa sair. Estaria interessada, conhece mais alguém… uma amiga?
Comecei a notar que tinha algo errado, mas queria confirmar tudo.
- Não conheço muitas pessoas em Portugal.
- Os administradores pediram alguém que saia com eles.
- Como assim?
- Você sabe… (pausa). Alguém como você…
- Sair?
- É. Sair à noite com eles, não sei se você me entende... Querem uma acompanhante…
- Olhe, estou interessada no emprego.
- Só no emprego? Não queria mesmo sair com eles?
- Só no emprego.
- Ok. Eles querem alguém para sair, mas mesmo assim vou falar com eles para saber se aceitam só para o emprego
- Tchau
Foi ai que a ficha caiu. Percebi o que estava em jogo. Queriam-me para prostituta de luxo!
Fiquei apavorada porque já tinha ouvido muitas histórias de tráfico de mulheres. Hoje tenho medo. Quando o telefone toca e não conheço o número me bate um desespero. Eles ficaram com meu curriculum e lá tem foto, endereço, e-mail e telefone. Quando vejo um executivo tenho medo de encontrar aquele rosto.
Algumas pessoas mais próximas aconselharam-me fazer uma denúncia. Uma amiga chegou a ligar para a polícia, mas eles disseram que eu quem tinha que fazer a denúncia. Por medo, calei.
DEPOIMENTO DE MARIA SANTOS:
Recém chegada a Portugal. Feliz. Eu e meu marido. Ambos viemos fazer o doutoramento. Renda: bolsa de estudos do Brasil. Fomos procurar apartamento. Olhamos pela internet, achamos vários. Dirigimo-nos para as imobiliárias que já tínhamos visto o site. Precisávamos de contrato, a bolsa exigia. Isso restringia a procura, porque há muitos proprietários que alugam diretamente sem contrato e mais barato. Primeira imobiliária, os apartamentos que havíamos selecionado pela internet estavam indisponíveis.
Segunda imobiliária, nada novamente. Perguntei: "Senhor, mas os que vimos hoje mesmo no site da imobiliária?" Ele friamente respondeu: "Já foram arrendados".
Terceira imobiliária e finalmente fomos atendidos de verdade. Uma moça (observação, cuidado com a palavra moça, os portugueses detestam) muito simpática puxou três cadeiras e sentamos para olhar no computador junto com ela. Fomos vendo os cadastros, até que adorei um apartamento. Ela clicou para ver mais detalhes e lá estava escrito: “Não arrenda para brasileiras”. Essa imagem não sai da minha cabeça até hoje. A moça rapidamente fechou a página, para que não víssemos (mas eu já havia lido) e disse: "sabem de uma coisa, não vamos perder tempo a verificar os registos, vou ligar para um ótimo”. Ligou e disse “Senhora Inês, tenho aqui um casalinho de brasileiros, estudantes, que acho que são ótimos para seu apartamento do Lumiar”. A senhora aceitou em nos mostrar. A moça simpática da imobiliária nos levou com seu carro até lá. Era longe, muito diferente do lugar que pensávamos morar. Mas já haviam se passado 10 dias de procura e gasto em hotel, precisávamos de endereço para ter o cartão de contribuinte, precisávamos do contribuinte para ter conta no banco, precisávamos da conta para receber a bolsa… Ficamos com o apartamento, o qual não tem acesso ao metro (20 minutos de caminhada para chegar ao metro do Lumiar) e o valor da renda é maior do que aqueles que olhávamos na internet e eram bem localizados e… “já estavam todos alugados” ou, na verdade, não queriam brasileiras.
* Os nomes foram alterados, para manter a privacidade das depoentes.